segunda-feira, 31 de maio de 2010

No descampado...

Sol brilha…
Crianças brincam na praia, construindo castelos de areia que a maré ao subir irá desmoronar. Chapinham no mar azul, onde um dia hão-de nadar.
Outras, brincam no descampado mais próximo de suas casas, construindo castelos de entulho, sem ninguém se importar. O Mar, nunca viram, nadar é verbo que não sabem conjugar.

Chuva cai…
Crianças, protegidas da intempérie, assistem no ecrã do cinema à animação mais recente. Irá permitir-lhes renovar o super-herói preferido. Até um próximo surgir e a moda mudar.
No descampado enlameado, brincam no vão das escadas. A fita de cinema é rodada pelos próprios. Os heróis são os de antigamente. As novidades, só mais tarde irão descobrir, por os verem em todo lado, menos na tela.

Toca a campainha…
Crianças fardadas saem das viaturas dos pais e entram na escola. Sonham ser doutores, engenheiros, investigadores. Sonham aquilo que os pais são, ou simplesmente lhes impõem. O companheirismo dá lugar, à luta pela excelência. A luta de se ser o primeiro é mais forte que a amizade.
O descampado está vazio. Seus “donos” caminham a pé, sozinhos, até à escola. O sonho mais alto é ser futebolista ou modelo. O sucesso significa apenas e tão só, ser capa de revista e aparecer na TV. Tudo o resto está carimbado como “impossível”. Nunca deixaram de ser e funcionar como grupo. A amizade, para o bem e para o mal há-de sempre prevalecer.

A vida dá uma volta…
Anos passam…
Crianças crescem e tornam-se adultos. Fizeram… Fizeram-lhes seu destino, são hoje imagem de suas vidas. Algumas, perdem-se no meio dos sonhos, outras, agradecem a dádiva que lhes cruzou o caminho.
No descampado povoam doutores, engenheiros e tudo mais. Dependentes de algo que os domina, vagueiam procurando sustento para o vício, muito antes de alimento. Escorridos de casa, abandonados pela família fazem do entulho seu castelo, que aprenderam a fazer com areia. Seu mundo desabou.
Não estão sós…
No descampado surge gente, que ali brincou.
No descampado surge gente que não sabia o que era sonhar, nem nunca se fardou.
No descampado surgem os que tão bem conhecem o terreno. Pouco ou nada interessa sua profissão, apenas que vingaram em algo e superaram o obstáculo que a vida lhes deu.
No descampado, são estes, que outrora foram seus “donos” e desprezados por uma sociedade, que surgem para dar apoio, mão amiga e alguma dignidade. Voluntários e solidários.
Novas vidas vão nascer, amizades sedimentadas e humildade no agradecimento profundo. Outras sem destino, sem forças, acabam estendidas…
É no descampado que se vê, de que é feito o Ser Humano.
Mas no descampado… ainda há crianças a construir castelos de entulho e outras fardadas passam, ignorando seu destino, acompanhadas e moldadas por seus pais.

3 comentários:

  1. eheh pelo titulo achei que era alguma coisa erótica :D LOL tipo no descampado... hum :D

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  2. tenho saudades do "meu" descampado, das pessoas que "tinha" na altura, do que ali fazia e sentia.
    muito bonito o texto e uma grande homenagem ao ser-se criança :)

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  3. Catarina... tss! tss!... LoL

    Susaninha, também eu tenho do meu :-))

    Beijinho às duas e obrigada :-))

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