segunda-feira, 5 de junho de 2017

Disneyland ou como sonhar acordado



Cresci a ler banda desenhada, ainda do tempo em que os "gibes" vinham do outro lado do Atlântico e "falavam" português do Brasil. Cresci com a turminha da Mônica do Maurício e com o Mickey e restante família do Walt Disney. Era um sonho folhear os livrinhos e ver aquele Mundo, cuja imagem de um castelo ficava bem longe, na altura, de Paris.  
Passaram muitos anos e eu e a Isabel, concretizámos esse sonho. Poder viver por uns dias nesse mundo que dizem ser de fantasia, mas que não deixa de ser bem real. Um Mundo, onde o sorriso é predominante e a alegria contagiante entre as mais diversas etnias, raças, culturas ou religiões. Onde os adultos não são enxovalhados por partilharem da mesma alegria das crianças e os deficientes vêem naquele espaço  um mundo perfeito de acessibilidades. Ali, todos têm a mesma idade - a idade de sonhar. 
É como um sonho, mas de olhos abertos. Passearmos pela rua e constatarmos que aquelas figuras, com quem crescemos, existem mesmo. Observar, ver, tocar, abraçar cada uma delas e num segundo cair qualquer dúvida que se tenha de sua real existência. Aparentam ser como nos livros. Mexem-se como na televisão ou no cinema e agem como os conhecemos e caracterizamos. São mesmo eles? Deixam de ser as figuras, para serem como um de nós. Ver e sentir de perto o seu afecto por nós, que os admiramos, ser maior que muito ser humano com quem lidamos diariamente.  

Saber que Peter Pan existe mesmo e que está feliz junto da Wendy e que até se dá bem com o Capitão Gancho, onde a rivalidade só existe no écran. Ver Gepeto de mão dada com o Pinóquio, como um avô passeia com seu neto. O Tico e o Teco a fazerem das suas diabruras... Assistir à presença do Mickey, no fecho do parque, como excelente anfitrião que é, despedindo-se e agradecendo a todos os seus amiguinhos... Princesas e príncipes de encantar independentemente de seu reino...  Heróis e vilões de brincadeirinha.
Ali, tudo é mágico. Um pequeno mundo perfeito onde é difícil não ficar emocionado e tão difícil exprimir em palavras todo o sentimento de alegria que ali se vive.  
Um Mundo bem real. Ao sair dele no último dia, não consegui olhar para trás, como se fosse uma última vez. Seria o descalabro emocional que tinha tentado controlar durante aquele tempo que ali vivi, de plena felicidade. Poder estar no meu Mundo, sem estar de olhos fechados e acordar para um outro, que nunca foi o meu.  

domingo, 30 de abril de 2017

Manuel Barbeiro

Manuel Barbeiro. É este seu nome. Adquirido como tantos outros no tempo em que alcunhas se tornavam apelidos. Seu pai foi barbeiro de profissão e ele próprio, conta, também o foi durante 40 anos, dos 86 que carrega. 40 anos de barbeiro, mas muitos mais de artesão figurinista.
Leva-nos a ver suas peças. Vejo e concluo que no meu presépio tenho peças de sua autoria, que desconhecia. Já antes tínhamos estado em casa de outros artesãos onde pude constatar o mesmo. As figuras, que ano após ano, desembrulho e coloco em cena constituindo o presépio, começam a ganhar um pai, uma história. Rostos cujas rugas não deixam esconder a idade. Memórias, que irão sempre acompanha-las.
Manuel Barbeiro, não parou de sorrir desde que abriu a porta de sua casa. Ali, em Galegos (Santa Maria), freguesia de Barcelos, terra de oleiros e artesãos, onde nasceu o Galo de Barcelos, as casas de habitação confundem-se com as oficinas. Um dois em um. Manuel conta um pouco de sua história, de sua vida. Do desgosto pelo filho não ter seguido o mesmo caminho, apesar de ter jeito para a 'coisa'. Da alegria de lhe terem batido à porta duas japonesas, que queriam conhecer o autor de uma exposição que tinham visto em Lisboa.
Manuel dedica-se agora às procissões. A maior terá 80 peças e trabalho não lhe falta.
Ficámos de falar em Março, para ver quando poderá fazer a nossa procissão.
Manuel Barbeiro, educado, agradeceu a visita. Saímos em silêncio e quando chegámos ao carro, nosso pensamento foi igual - Será que viverá o tempo suficiente para fazer nossa encomenda? Não sabemos! Mas independentemente de tudo, já tinha valido a pena. A imagem daquele sorriso com 86 anos já ninguém nos tirava.
Estávamos em Novembro.

Como tinha sido combinado, em Março ligámos. Associou logo o telefonema ao 'casal do Porto' e ficámos de ir buscar nossa encomenda nesse mesmo dia, depois do almoço. Já estava pronta, para grande surpresa nossa.
Um senhor, como já existem poucos. Recebeu-nos novamente com a mesma simpatia. Mais dois dedos de conversa, mais histórias que trazemos e que não têm preço.
A 'procissão' já estava acondicionada e devidamente encaixotada. E sem a vermos, confiámos, tal como Manuel tinha confiado em nós sem pedir qualquer adiantamento, e pagámos aquilo que achámos justo. Manuel sorriu.
Pouco depois estávamos de saída. Levou-nos à porta e agradeceu, como nós também agradecemos.
"E qualquer coisa que não esteja bem, voltem, que eu troco..."
Apetecia voltar.  "86 anos e nunca enganei ninguém". E assim continua... Um senhor de palavra, como há poucos.
Talvez voltemos um dia, não para reclamar, mas para mostrar suas figuras expostas em nossa casa. De certeza que gostará.