Podia contar a história da russa(!?) que ia sentada mesmo à
minha frente, no expresso Lisboa-Porto e que passou mais de uma hora ao
telemóvel, sempre a falar em tom alto. Entre portugueses, espanhóis, brasileiros
e ingleses, os que consegui identificar, dificilmente alguém dentro do autocarro perceberia o idioma que falava. Era como se estivesse sozinha. Felizmente que lhe deu a fome e começou a
encher a boca de uvas. Desejei que estas nunca mais acabassem. Não sei se
acabaram ou não ou se a rapariga ficou sem bateria no telemóvel, mas até ao fim da viagem,
nunca mais lhe ouvi um “piu”. E os tímpanos agradeceram.
A meu lado, sentou-se um rapaz. Chegou com os calores – o
dia esteve bastante quente em Lisboa. Ligou e dirigiu o ar condicionado mesmo
para cima de si. Não chegou à zona de Fátima, sem espirrar, assoar-se, vestir o
casaco e desligar o “seu” ar condicionado.
Com a sua espécie de telefone “3310” e a “Bic” com que foi
escrevendo ao longo da viagem em papel branco que tirava da mochila, identifiquei-o como aqueles intelectuais que abominam as novas tecnologias. Ou assim quis identificar, rapidamente e certamente, com grande margem de erro.
Não sei o que escrevia. Só consegui decifrar “XV” e “XVI”.
Portanto, dois capítulos escreveu, mas do quê, não sei.
A mochila parecia a do Sport Billy. De vez em quando,
colocava a mão e retirava do seu interior qualquer coisa. Uma das vezes foi um
chocolate, tipo “Toffe Crisp”. Abriu-o, com todo o cuidado, deu uma trincadela
e voltou a guarda-lo na mochila. Mas que raio!! Quem consegue dar só uma trinca
num daqueles chocolates, que na minha posse durava um máximo de... 2 minutos!?
Grande poder de controlo, disse eu para mim.
Mais meia hora ou três quartos de hora, volta a ir buscar
novamente o chocolate. Mais uma trinca e volta a coloca-lo na mochila. Tinha a
minha admiração. O meu suposto “alarvamento” em igual situação, não compreendia
tal proeza.
E comecei a acreditar que no final das três horas e meia de
viagem, ainda haveria chocolate.
Um quarto de hora. Foi quanto durou a investida seguinte à
mochila. Desta vez, tira um saco com uma carcaça (molete, papo seco). E eu
“Fantástico! Vai conseguir acabar a viagem sem acabar o “Toffe Crisp”!...” Mas
de repente, a mão vai novamente à mochila, saca de uma tablete de chocolate com
avelãs, parte-a e coloca-a dentro do pão. Devorou a sandes, mais depressa que
um terço do “Toffe Crisp”.
Cheguei à conclusão, que o rapaz, afinal, não se conseguia
controlar perante chocolate. Grande desilusão. Não devia era gostar do “Toffe
Crisp” e por isso o ter aguentado tanto tempo.
P.S.: No fim da viagem, já no terminal, ainda o vi a dar
mais uma trinca no “Toffe Crisp”. Tinha percebido tudo ao contrário. Aos meus olhos, de indivíduo controlado, passou a viciado. E entre cada ressaca, controlava-se com doses “suaves” de “Toffe Crisp”.
Mesmo assim, aquele chocolate durou tempo demais.