terça-feira, 15 de novembro de 2011

Leito de Vida


Faleceu naquele dia. Estendido, inerte no leito que o viu nascer. Ali aprendeu a rezar, a orar a seu Deus e nunca mais esqueceu. Fazia-o todas as noites, todas as manhãs. Naquela manhã não o fez. Abertas as portas, foi recebido de braços abertos. Passou a orar directamente com quem sempre o tinha escutado, com quem sempre desabafou. Sua presença nas horas difíceis, sua alegria todos os dias.

Faleceu naquele dia. No leito, onde aprendeu a sonhar. Onde príncipe em cavalo alado conquistava princesa e defendia-a de dragões, monstros, vilões. Onde pilotava carros de corrida e subia ao lugar mais alto do pódio. Onde marcava golos que outros falhavam, dando vitórias à sua equipa e tornando-se no melhor marcador. E era tão simples. Bastava fechar os olhos.

Faleceu naquele dia. No leito onde fez amor pela primeira vez e onde só deitara uma mulher – a sua mulher. Soube o que era o amor, a paixão. Ali fez os filhos que hoje choram a seus pés. E que trazem os netos que vêem seu avô dormir profundamente. E à noite o vão ver, todas as noites irão olhar para o céu e ver duas estrelas brilhar – avô e avó estarão juntos outra vez.

Faleceu naquele dia. No leito onde tudo projectou, menos sua morte, sua partida. A empresa que criou, os telefonemas que recebeu a altas horas, os papeis que lia, textos que escrevia. As obras que fez em casa, que já tinha sido de seus pais. As plantas que plantara no quintal, que cresceram e hoje secaram. As viagens de trabalho, lazer e férias. A última escapou, não fora planeada.

Faleceu naquele dia. No leito onde aprendeu o significado de todos os sentimentos. Onde sorria e chorava, dissertava e cantava… Onde vira sua mulher partir, sem se despedir, sem o deixar ir com ela. Num dia em que o céu não viu o Sol brilhar e as trevas vieram para ficar. 

Faleceu naquele dia, no leito de sua vida, sozinho, solitário, sem a presença que o fazia respirar, alimentar seu fado. Coração destroçado, mil porquês sem resposta, perguntas sem destinatário.

Faleceu naquele dia, no leito confessionário de uma vida, onde falava e discutia com seu Deus. E com seu Deus partira calmamente, sossegado, em Paz, sem medo. 

Faleceu naquele dia… E naquele mesmo dia, nasceu novamente, nos braços de uma mãe carinhosa, afectuosa, mimando sua cria, no leito de nova Vida.

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