Quase oito horas da manhã, de um dia qualquer. No Terminal
da Rede Expresso do Porto, um casal aproxima-se. O contraste de casal, o doce com o amargo ou o salgado com o insosso, impossível não dar na vista. O senhor, dos seus
cinquenta anos, calça de ganga gasta e uma camisa de flanela aos quadrados. Nem cheguei a perceber se estava por dentro ou fora das calças, ou metade-metade. Sem desprimor aos pescadores, assim fez-me lembrar. (Se bem, que nos dias que correm, já vi pescadores mais bem arranjados). Notava-se que elegância, era algo que não tinha em conta, até pelo seu aspecto. Ela, diferente, bem maior que ele, mesmo sem o salto alto
que calçava. Uns trinta e poucos anos. O vestido apresentava um decote
qb, casaco a condizer e cabelo louro bem tratado. Desfilava elegância. Pelos seus traços,
apostaria numa qualquer nacionalidade do leste europeu.
As mãos dele só deixaram de percorrer o corpo dela, quando da despedida. Do outro lado, nem uma caricia.
Só ela entra no autocarro e nem um beijo houve. Ele, do lado de fora, sorri
muito, a vida aparentava correr-lhe às mil maravilhas. Ela, sentada, no
primeiro banco oposto ao do motorista também sorria. Sorriso diferente, talvez
de gozo, que se perdeu logo na primeira manobra do autocarro e assim que deixou-o
de ver, como que a desligar.
Porto-Lisboa, três horas e meia de viagem, com uma pequena
paragem em Fátima.
Enquanto passa na televisão o filme, repetido até à exaustão
e que, passageiros assíduos já conhecem de trás para a frente e de frente para
trás, independentemente do horário da viagem, o tempo é ocupado da mais variada
maneira. Neste horário, o mais frequente é fechar os olhos e descansar. Eu
assim o fiz, um banco atrás do dela e do lado oposto. Ela, mais rápido o fez
ainda. Não tínhamos entrado na auto-estrada e já se tinha aninhado da maneira
que achou mais confortável e fechou os olhos.
...
Faltavam uns quarenta quilómetros para chegarmos a Lisboa.
Ela atende o telemóvel. Assim que finaliza a chamada, retoca a maquilhagem com tudo e
mais alguma coisa, pega na escova e desliza-a no cabelo. Por fim, põe perfume,
odor que se espalha pelo autocarro. Não era dos piores.
Chegados a Lisboa, autocarro estacionado, portas abertas,
ela sai. À sua espera outro senhor. Aparentava quarenta e poucos anos e vestia
fato e gravata. Troca de palavras, nenhum contacto físico. E lá foram eles... Ela, novamente com o mesmo sorriso. Sorriso,
que faz descansar, entre cada viagem. Numa pausa da vida.